Sobre o Novo Sistema Tributário

Um Sistema Tributário Complexo e Fragmentado

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Os Desafios do Período de Transição com a Reforma Fiscal

São inúmeras as publicações sobre a atual Reforma Tributária. Algumas são técnicas, elaboradas por tributaristas, enquanto a maioria é opinativa e focada em observar os direcionamentos do processo de regulamentação, exercido por lobbies privados e entidades federativas.

O objetivo deste artigo sobre esta etapa da Reforma Tributária é mais simples.

1º. Ilustrar como a complexidade do atual sistema tributário brasileiro tem sido um dos maiores entraves para o crescimento econômico e a competitividade das empresas nacionais.

Neste sentido, a proposta de unificar tributos federais, estaduais e municipais é um avanço notável.

.. truly historic tax reform. This will make business easier, including for US companies to invest in Brazil –  Janet Yellen, Secretária do Tesouro dos Estados Unidos

2º. Alertar sobre os riscos envolvendo o processo de transição de um Sistema Tributário complexo e desarticulado, para outro, baseado em Valor Agregado – denominado (IVA Dual)

A implementação do IVA Dual exigirá uma reestruturação profunda das práticas fiscais tanto no âmbito governamental, quanto no empresarial. Um dos principais desafios será a adaptação dos sistemas de contabilidade e gestão fiscal das empresas, que precisarão ser ajustados para lidar com a nova estrutura de impostos.

A transição para o novo sistema tributário brasileiro, com a introdução do IVA Dual, representa um marco significativo na história fiscal do país. No entanto, essa mudança traz consigo um conjunto de desafios consideráveis para empresas de todos os portes e segmentos. A adaptação a um novo regime tributário exige não apenas uma reestruturação dos processos internos, mas também uma atualização tecnológica e contábil que muitas empresas podem encontrar dificuldade em implementar.

Para pequenas e médias empresas, que frequentemente operam com margens de lucro mais apertadas e recursos limitados, a transição pode ser particularmente onerosa. Muitas dessas empresas podem não ter a infraestrutura necessária para se ajustar rapidamente às novas exigências fiscais, necessitando de investimentos em sistemas de gestão e treinamento de pessoal. Já as grandes corporações, apesar de possuírem mais recursos, enfrentam a complexidade adicional de adaptar operações em larga escala e garantir a conformidade em todas as suas unidades.

Outro ponto crucial que não pode ser ignorado é a habitual falta de qualidade na implementação operacional de novas políticas no Brasil. Historicamente, o país tem lutado com problemas de execução que frequentemente resultam atrasos e custos adicionais. A transição para o IVA Dual não está imune a esses riscos. A falta de uniformidade na aplicação das novas regras, de clareza nas orientações e sistemas governamentais inadequados podem agravar a dificuldade a adaptação das empresas.

Portanto, enquanto a reforma tributária é um passo essencial para a modernização do sistema fiscal brasileiro, é imperativo que os gestores empresariais se preparem para os obstáculos operacionais que se avizinham. A antecipação e a preparação serão fundamentais para mitigar os impactos negativos e garantir uma transição mais suave para o novo regime tributário.

As empresas terão que navegar por um período de incerteza enquanto as novas normas são implementadas e ajustadas. A necessidade de conformidade com o novo sistema de tributação sobre o consumo pode resultar em desafios operacionais significativos, com implicações para a eficiência e a competitividade das empresas no mercado – Claudia Kodja.

O que é um Sistema Tributário e sua Importância Econômica

Um Sistema Tributário se refere ao conjunto de regras legais que determina a arrecadação de impostos no país. Ele desempenha um papel central em uma economia moderna, afetando o crescimento econômico, a competitividade de um país e principalmente, afeta significativamente a distribuição social e regional de renda.

Além disso, o sistema tributário é crucial para determinar quanto cada grupo de cidadãos e empresas deverá contribuir para financiar a oferta de serviços e bens públicos.

A estrutura do sistema fiscal de um país é fator determinante para o seu desempenho econômico.
Um sistema tributário bem estruturado se caracteriza pela facilidade de execução, por alíquotas competitivas e pelo menor número de distorções econômicas, normalmente relacionadas a isenções fiscais concedidas a segmentos, empresas e indivíduos – Claudia Kodja

Bem-vindo ao Mais Desafiador Sistema Tributário do Mundo!

O sistema tributário brasileiro costuma ser referenciado como um “hospício fiscal”. Uma alcunha baseada na falta de qualquer lógica ou fundamento teórico, que justifique o volume de regulamentações, sua estrutura desarticulada e cara aos contribuintes.

• O sistema tributário brasileiro é constituído por 262.705 artigos, 612.103 parágrafos, 1.957.154 incisos e 257.451 alíneas.

• Uma empresa que comercializa seus produtos, apenas dentro do seu estado, deve cumprir uma legislação de aproximadamente 3.512 normas tributárias.

• Em média, 31 normas tributárias são adicionadas por dia ao ordenamento jurídico brasileiro – (média dos últimos 30 anos).

• Empresas gastam, em média, 1958 horas ou cerca de 4 meses ao ano com atividades relacionadas ao registro e regularização dos tributos federais, estaduais e municipais.

Confira os principais impostos pagos pelas empresas brasileiras em cada um dos níveis de governo

IMPOSTOS FEDERAIS

1

IRPJ
Imposto de Renda Pessoa Jurídica
Alíquota: 15% sobre o lucro real, presumido ou arbitrado.

Adicional: 10% sobre a parcela do lucro que exceder R$ 20.000,00 por mês.

2

CSLL
Contribuição Social sobre o Lucro Líquido
Alíquota: 9% sobre o lucro líquido.

3

COFINS
Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social
Alíquota: 7,6% (não-cumulativo) ou 3% (cumulativo).

4

PIS
Programa de Integração Social
Alíquota: 1,65% (não-cumulativo) ou 0,65% (cumulativo).

5

IPI
Imposto sobre Produtos Industrializados
Alíquota varia conforme o produto (0% a 300%).

6

INSS
Contribuição para o Instituto Nacional do Seguro Social
Alíquota: 20% sobre a folha de pagamento.

7

IOF
Imposto sobre Operações Financeiras
Alíquota varia conforme a operação (0% a 6,38%).

IMPOSTOS ESTADUAIS

8

ICMS
Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços
Alíquota varia conforme o estado e o tipo de mercadoria ou serviço (12% a 25%).

IMPOSTOS MUNICIPAIS

9

ISS
Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza
Alíquota varia conforme o município e o tipo de serviço (2% a 5%).

10

IPTU
Imposto Predial e Territorial Urbano
Calculado com base no valor venal do imóvel e alíquota definida pelo município.

11

TAXA DE LICENCIAMENTO E ALVARÁ Valor varia conforme o município.

Infelizmente, mudar este cenário depende de acordos políticos, nem sempre comprometidos com a lógica e eventualmente vulneráveis a interesses privados. – Claudia Kodja

De qualquer forma, devemos estar atentos as últimas negociações em torno da reforma tributária e preparadas para um longo período de transição, com a coexistência de ambos os sistemas fiscais.

A Falta de Competitividade do Sistema Tributário Brasileiro

Nos últimos 42 anos, as taxas de imposto corporativo têm diminuído consistentemente na maioria dos países. Em 1980, a taxa de imposto média mundial era de 40,11% e hoje, a taxa média é de 23,37%.

Conforme a “Tax Foundation”- a principal organização sem fins lucrativos de política tributária do mundo – a taxa média anual de Imposto sobre a Renda da Pessoa Jurídica, entre as 225 jurisdições pesquisadas, é de 22,22%.

O Brasil caminhou na direção contrária, com a carga tributária aumentando significativamente após a promulgação da Constituição Federal de 1988. Este aumento foi motivado pelas dificuldades enfrentadas pelo governo em administrar suas contas públicas, além do aumento dos benefícios fiscais e dos regimes especiais de tributação.

15 Países com a Maior
Imposto de Renda sobre a Pessoa Jurídica no Mundo

País Continente Alíquota
Comores África 50%
Puerto Rico América Central 37.5%
Suriname América do Sul 36%
Argentina América do Sul 35%
Chad África 35%
Colômbia América do Sul 35%
Cuba América Central 35%
Guine Equatorial África 35%
Guine África 35%
Malta Europe 35%
Sudão África 35%
Sint-Maarten América Central 34.5%
América Samoa Oceania 34%
Brasil América do Sul 34%
Venezuela América do Sul 34%

Fonte: Tax Foundation – Corporate Tax Rates by Country

O peso fiscal total, ou seja, a soma de todos os impostos e contribuições obrigatórias pagas anualmente por empresa média brasileira, compromete cerca de 65% do seu Lucro Operacional.

A Falta de Neutralidade do Sistema Tributário Brasileiro

Um Sistema Tributário neutro é aquele que procura minimizar as distorções econômicas. Isso significa que ele não favorece atividades específicas realizadas por empresas ou indivíduos, através de isenções fiscais.

Se, em teoria, os mesmos impostos se aplicam a todas as empresas e indivíduos, mas alguns podem mudar suas regras para obter uma vantagem tributária, isso prejudica a neutralidade de um sistema tributário, afetando crescimento econômico sustentável e o investimento.
A transparência, a equidade e a eficiência devem ser prioridades na concessão dessas isenções tributárias, garantindo que os benefícios superem os custos e o sistema tributário permaneça justo e sustentável.

Em 2024, as isenções fiscais no Brasil devem totalizar R$ 456 bilhões, representando cerca de 4,29% do PIB do país. Este montante é comparável ao que o governo gasta anualmente com o pagamento de pessoal.

Incentivos fiscais que deveriam atuar em prol de um estímulo da economia ou de programas sociais, no Brasil, escancaram a desigualdade e a força do patronismo político.

As Maiores Beneficiárias das Isenções Fiscais
fonte: última atualização 2022

Empresa

Renúncia Fiscal
Em Bilhões

Petrobrás R$ 11,8
Vale R$ 6,4
GE Celma R$5,6
Latam R$ 4,4
Fiat Chrysler R$ 3,9
Mosaic Fertilizantes R$ 2,7
Samsung R$ 2,5
Syngenta R$ 2,4
Embraer R$ 2,4

Portal da Transparência – CONTROLADORIA-GERAL DA UNIÃO – Dados sobre a Renúncia Fiscal no Brasil

Os dividendos distribuídos aos acionistas, em 2022, pelas duas maiores beneficiárias dos incentivos fiscais no Brasil, Petrobrás e Vale do Rio Doce, foi de R$ 215,7 bilhões e R$ 35 bilhões, respectivamente.

Qual o Propósito da Reforma Fiscal

O principal objetivo é harmonizar a tributação sobre o consumo.
Esta etapa da Reforma Fiscal não pretende reduzir impostos, mas eliminar a cumulatividade, redistribuir as taxas e facilitando a arrecadação dos impostos que incidem sobre o consumo.

Vale ressaltar que, a Reforma da Tributação da Renda e da Folha de Salários não foram contempladas nesta fase e está prometida para as próximas etapas.

Principais Mudanças:

1. Substituição e introdução de impostos

A reforma tributária aprovada na Câmara dos Deputados introduz três novos impostos sobre o consumo: o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e o Imposto Seletivo.

Esses impostos substituirão cinco impostos, os atuais PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS, simplificando o sistema tributário brasileiro.

Substituição do ICMS e ISS Pelo IBS – Imposto sobre Bens e Serviços
Substituição do PIS, Cofins e IPI Pelo CBS – Contribuição sobre Bens e Serviços
Introdução do Imposto Seletivo Destinados a Produtos e Serviços lesivos a saúde ou o meio ambiente.

O IBS será cobrado na etapa final da circulação de bens e serviços, ou seja, quando o produto ou serviço é entregue ao consumidor final. A base de cálculo do IBS será o valor total da operação.

O CBS será cobrado nas etapas intermediárias da movimentação de bens e serviços, ou seja, entre o produtor ou prestador de serviço e o comerciante ou consumidor final. A base de cálculo do CBS será o valor da transação.

2. Fim da cumulatividade dos impostos

Um dos principais objetivos da reforma é eliminar a cumulatividade dos impostos.

Atualmente, tributos como PIS e Cofins são cobrados em várias etapas da cadeia produtiva, desde a compra da matéria-prima, até a venda do produto final.

Com a reforma, os impostos serão cobrados uma única vez.

A mudança visa reduzir custos e aumentar a eficiência produtiva, eliminando a repetição de cobranças que encarecem os produtos.

3. Impacto no custo de produtos e serviços

Ao eliminar a cumulatividade e simplificar o sistema, a reforma tem o potencial de reduzir o custo de produção, o que pode refletir em preços mais baixos para os consumidores.

A eficiência produtiva aumentada é outro benefício esperado, já que empresas não precisarão lidar com a complexidade de múltiplas cobranças tributárias, ao longo da cadeia produtiva.

Como deve ser feita a transição

A transição dos impostos antigos para os novos deverá ocorrer em duas etapas e está organizada em 499 artigos.

. 24% ou cerca de 120 artigos, tratam das normais gerais do IBS e CBS.

. 13% ou cerca de 65 artigos, tratam da transição para o novo modelo.

. 9% ou cerca de 45 artigos, tratam das revogações e alterações.

. 6% ou cerca de 30 artigos, tratam do IS – Imposto Seletivo.

. 48% ou cerca de 239, tratam dos Regimes Específicos e Diferenciados.

Primeira Etapa da Transição

Durará sete anos, de 2026 a 2033 , terá como foco os contribuintes. Durante esse período, os novos impostos – o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) – serão criados com alíquotas reduzidas. Os antigos impostos, IPI, PIS, Cofins, ICMS e ISS, serão extintos gradualmente.

Transição para o Novo Modelo Tributário

2026 2027 2029 a 2032 2033

Ano Teste

Introdução
do CBS
Introdução
do IBS
Vigência
Integral
Cobrança Reduzida do CBS e do IBS, em paralelo com os tributos que eles substituirão.

Alíquotas Reduzidas de 0,9% e 0,1%, respectivamente, compensáveis em PIS/Cofins ou tributos federais.

Será importante garantir que a cobrança não resulte em uma dupla tributação ou aumento abrupto da carga tributária para os contribuintes.

Cobrança Integral da CBS

Alíquota Estimada 8,8%

Extinção do PIS/Cofins

Extinção do IOF para as operações de seguro

Extinção do IPI, exceto para as áreas de produção incentivadas, tal como a Zona Franca de Manaus (ZFM).

Cobrança do IS – Imposto Seletivo

Transição para o IBS, via redução gradual da ICMS e do ISS.

Alíquota Estimada 17,7%

Fluxo de Redução do ICMS e do ISS
. 10% em 2029

. 20% em 2030

. 30% em 2030

. 40% em 2032

. 100% em 2033

Extinção do ICMS e ISS

Fonte: Ministério da Fazenda – Secretaria Extraordinária da Reforma Tributária – Lei Geral do IBS , da CBS e do Imposto Seletivo

Segunda Etapa da Transição

A segunda etapa , focará na divisão dos novos impostos entre União, estados e municípios. Durante esse período, a alíquota do IBS será gradualmente aumentada até atingir o valor total. A alíquota do CBS também será gradualmente aumentada, mas permanecerá menor que a alíquota do IBS. O governo ainda não apresentou um calendário específico para isso.

Considerações Finais

Não podemos imaginar que, a transição entre um sistema tributário caótico para outro qualquer, se dará de forma simples e previsível.

Independente da simplificação proposta, da fase de “teste” até a transição efetiva , não será absorvida pelo setor produtivo de forma homogênea e sem tropeços.

Tão desafiador quanto os 40 anos que levamos para consentir com alguma alteração sobre uma estrutura fiscal, propositalmente construída para ofuscar as ineficiências e facilitar os desvios, será evitar que as dificuldades do processo de transição e a superposição dos tributos, prejudique a arrecadação ou onere a produção, respectivamente.

Sob este ponto de vista, a implementação desta Reforma Tributária sobre o Consumo poderá se estender, na prática, além do previsto, com algumas interrupções táticas, que possam corrigir desproporcionalidades.

O quão desafiador ou arriscado possa ser, a transição para um novo sistema de arrecadação tributária se impõe como elemento chave para inclusão e crescimento econômico do país, promovendo a equidade e incentivo a realocação dos investimentos para setores estratégicos.

Pouco é necessário para levar um Estado ao mais alto grau de opulência, a partir da maior barbárie, a paz, justiça e impostos fáceis: todo o resto é provocado pelo curso natural das coisas – Adam Smith, pai da economia moderna e o mais importante teórico do liberalismo econômico.

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Fontes Pesquisadas: Tax Foundation – Corporate Tax Rates by Country; International Tax Competitiveness Index International / Portal da Transparência – Dados sobre a Renúncia Fiscal no Brasil / Europartner – Brazil Tax Reform – The Complete Guide Tax Review / Ministério da Fazenda – Secretaria Extraordinária da Reforma Tributária – Lei Geral do IBS , da CBS e do Imposto Seletivo / IMF Working Paper – Brazil Tax Reform: Expenditure Rationalization within Broader Tax Reform / IPEA – Tributação no Brasil – Estudos, Ideias e Propostas.

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